Educação e formação de adultos

Carvalho da Silva

Onde nos devemos focar para uma reflexão crítica atualizada sobre este tema, tendo em perspetiva o desenho e a implementação de políticas públicas e, concomitantemente, a preparação dos cidadãos e das suas organizações, para as exigir e sobre elas exercer escrutínio? Participei ontem, dia 7, no Seminário Internacional organizado pela Associação Portuguesa de Educação e Formação de Adultos (APEFA), no painel titulado: “Literacias, cidadania ativa, multiculturalidades: um desafio de largo espectro”. Aqui partilho alguns tópicos da comunicação que busca respostas à pergunta feita.

Precisamos de uma leitura sólida sobre as dinâmicas geopolíticas em curso, as suas conexões com outros grandes problemas com que as sociedades (e os países) se deparam para estabelecerem os seus processos de “desenvolvimento”. Há um contexto concreto que condiciona as estratégias para a melhoria de formações, qualificações, capacidades de aprendizagem, validação de competências, da utilização dos saberes dentro e fora da Escola e dos locais de trabalho. Conceções eurocêntricas – pecha da burocracia da União Europeia – e de centralismo “ocidental” que persistem e até estão a ser ampliadas pela guerra na Ucrânia toldam-nos a observação da nova era em que estamos.

Entretanto, observemos factos que marcam a sociedade portuguesa e a definição das políticas de educação e formação: i) num período de 20 anos triplicou e diversificou-se a dimensão da população imigrante, que a prazo poderá ser 10 ou 15% da população do país – a ministra do Trabalho disse, num colóquio do CoLABOR no dia 4, que em 2015 tínhamos 150 mil trabalhadores imigrantes e hoje temos 650 mil; ii) o nosso número de licenciados (e mestres e doutores) aumentou e necessita de continuar a aumentar; iii) a paridade entre homens e mulheres no “mercado de trabalho” (números totais) é hoje um dado adquirido no país e traz novas exigências; iv) o aumento da esperança de vida (as vidas longas), cruzado com a emergência de novos instrumentos de trabalho e das formas da sua prestação e organização, reclamam novas políticas de educação e formação; v) as pressões vindas das transições energética e ambiental transformarão visões sobre a economia e os saberes, e a sua aplicação exige negociação; vi) temos políticas de emprego afuniladas na responsabilização individual; vii) urge preparação das pessoas para uma literacia digital inclusiva; viii) a cidadania social é frágil, privilegia-se a esmola, e manipula-se o lugar e o valor do trabalho, desqualificando-o.

A história do trabalho sem organização e representação coletivas é uma tragédia. Olhemos com atenção o século XIX e parte do XX. Hoje vemos atores da formação nas empresas, na escola, no sistema de relações de trabalho, ou até na justiça do trabalho a negarem os princípios que trouxeram os Direitos do Trabalho para o patamar dos Direitos Humanos. Precisamos de formação séria sobre o trabalho e a organização do trabalho em todos os patamares do ensino e, em particular no Ensino Superior. Todavia, a formação focada no trabalho de forma doentia – para cavar injustiças e desigualdades – nega a formação para o trabalho e para a cidadania.

Não há progresso e desenvolvimento humano sem sociedades coesas. As complexidades que atrás enuncio tornam mais difícil a construção da coesão. E a ausência ou fragilização – estrutural, orgânica ou de representação – das instituições de intermediação, como são os sindicatos, mas também outras associações, agrava muito o problema.

Fonte: https://www.jn.pt/76546797/educacao-e-formacao-de-adultos/

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