ECO no Parque. Temos tecnologia, faltam competências e enquadramento para o sucesso

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Quando um gestor de um banco, uma gestora de telecom, um gestor industrial, uma gestora de saúde e um advogado entram num restaurante, o que é isso? Uma discussão animada sobre o estado do país, as barreiras ao crescimento e as oportunidades e prioridades para afirmar a economia portuguesa, as igualdades de oportunidades e a prosperidade económica e social. O ECO no Parque é um ‘business lunch’, mensal, promovido pelo ECO em parceria com o Praia no Parque e a Altice, e neste primeiro encontro juntou Miguel Maya, Ana Figueiredo, Filipe Botton, Isabel Vaz e Pedro Siza Vieira. Para conversar sobre tecnologia, investimento e economia, enfim, sobre o país que existe e aquele que poderia existir, um menu, portanto, para todos os garfos.

A tecnologia é uma oportunidade, até porque Portugal tem competências únicas do ponto de vista de infra estruturas, para se posicionar e para aproveitar estes ativos que tem, mas há um problema, que não é de somenos: Faltam valências, competências, a vários níveis. A visão dos cinco decisores nem sempre é consensual, mas há uma linha que os une: O país “alimenta a ideia de que todos os agentes económicos, sobretudo os mais dinâmicos, todos os decisores públicos são criminosos em potência” e isso justificou “a criação de freios institucionais, desde autoridades independentes ao Ministério Público e Tribunal de Contas que tolhe a capacidade de aproveitarmos as oportunidades que existem“.

Nas infraestruturas, Portugal está bem posicionado, mais adiantado do que países mais desenvolvidos na Europa como a Alemanha, e essa é uma avaliação transversal a setores de atividade. A banca, a saúde, a indústria, mas é preciso competências digitais, e aí há debilidade. “As competências digitais são fundamentais, as básicas, as moderadas e, no fundo, as avançadas. E Portugal tem carências em todos os níveis, admitem. Mas são apontados dos grupos a exigir uma intervenção. A população mais idosa, no apoio às suas experiências mais básicas, e a nova geração de jovens. Aqui, as empresas têm um papel relevante, de preparação. E, claro, na aproximação entre a academia e as empresas”.

A resposta das universidades tem de ser outra, apontam, embora reconhecendo que cada universidade é um caso. “Os diretores das escolas deveriam ter experiência empresarial“, passar um período dentro de uma empresa. É um desafio, ao qual acrescentam outro, o fim dos silos, das barreiras entre domínios do conhecimento. Mas há esperança, porque é um tema geracional. “As gerações novas que estão a aparecer nas empresas são mais abertas, e nas universidades também, há uma abertura para discutir as necessidades… Há a vontade dos dois lados, coisa que não existia“. Pessoas, pessoas, pessoas.

Primeiro, o vinho. Depois, chegam os pratos principais. E a conversa deslocava-se para as novas gerações, as tais que são as mais bem preparadas de sempre. E isso será suficiente? Nem por isso. Há outro fator crítico, que limita o potencial do país. O enquadramento. Leu bem. Enquadramento legal, institucional, regulamentar. E é atirado um exemplo para a mesa. Na resposta ao Covid, a tecnologia foi essencial em todas as áreas de negócio, mas havia, houve, um enorme “mas”, e não é um problema exclusivo de Portugal, embora mais severo. “Sob a bandeira da proteção do consumidor, que acho essencial, alinhamos pelo menor denominador comum“.

Uma regulação em excesso que traz problemas. “Limita-se tanto a capacidade de utilização da tecnologia que, para resolver o problema da pessoa que, de facto, não tem literacia e que pode ser enganada, as instituições têm de cumprir este processo para todos os clientes. Isto é um erro total. É por isso que os Estados Unidos disparam. É por isso que a China dispara e que Europa e Portugal andam muito atrás“. O nível de exigência em Portugal é ainda superior. “As condições em Portugal obrigam a um nível que vai limitar fortemente o uso da tecnologia, num mundo que é cada vez mais global também na economia. Os outros países e blocos, como os EUA, a China e o Japão, vão utilizar a tecnologia com muito maior capacidade e criar vantagens competitivas para essas indústrias, ao contrário da Europa e em particular de Portugal.”

Como é que se chegou até aqui? Temos uma mentalidade que hoje em dia assenta na suspeição generalizada dentro da sociedade. “Isto é muito destrutivo. Não se pode… Uma economia moderna é uma economia de rede, é uma economia de colaboração, de partilha, de confiança”. Mas há mais. “Há um sistema em que se alimenta a ideia de que todos os agentes económicos, sobretudo os mais dinâmicos, são suspeitos, todos os decisores públicos são criminosos em potência, senão mesmo em realidade, acabou por criar um conjunto de freios institucionais, desde autoridades independentes, o Ministério Público, o Tribunal de Contas, que tolhe a capacidade de aproveitarmos as oportunidades que existem“.

O mundo não vai esperar por Portugal, sobretudo no novo contexto geopolítico. “Há uma inversão muito significativa dos princípios que nortearam a organização da economia mundial nas últimas décadas“, alerta um dos convidados. É que há uma nova política global, ou políticas, “uma nova forma de organizar a economia mundial, com uma revisão das regras, dos tratados de comércio, dos tratados de investimento“, enfim, com a ideia do regresso da política industrial, porque as pessoas perceberam que temos muitas dependências e, pior, tornaram-se armas políticas. “E depois, estamos a ficar para trás no domínio das tecnologias emergentes e, ao ficarmos para trás no domínio das tecnologias emergentes e das cadeias de abastecimento de energia, seremos tomadores de tecnologia e, portanto, o nosso empobrecimento [europeu] é evidente“. A consequência mais evidente está no domínio da concorrência e dos auxílios de Estado, em que os europeus sempre foram dos mais fundamentalistas. “E tudo isso está a ser muito rapidamente posto em causa“.

Onde ficará, nesse contexto, a regulação? É outro ponto de consenso à mesa, o papel excessivo dos reguladores. “Os nossos reguladores, a AdC, a Anacom, chegam lá fora, vão àquelas conferências, veem o que deve ser a prática e depois querem meter isso cá. E ficam todos contentes de dizer que aplicaram não sei quantas coimas“.

Ainda assim, insistem, as oportunidades são enormes. Portugal foi um dos perdedores da globalização, especialmente com a entrada da China na Organização Mundial do Comércio — embora este pressuposto não seja totalmente consensual, porque, no final, faliram empresas tradicionais, mas nasceram outras, assentes em mais inovação e tecnologia nesses mesmos setores –, mas as mudanças estruturais são profundas. “Quem diz que o PIB está estagnado, está a olhar para a média. A composição [do PIB] é completamente diferente e houve neste período grandes choques”. Isso resultou de uma enorme limpeza empresarial e de uma alteração do PIB. Tudo o que está em Lisboa e é orientado para o mercado interno caiu muito, e o que é que cresceu? As exportações, e as multinacionais a escolherem países como Portugal… “Se tivermos a justiça a funcionar e a regulação adequada“. Nem tudo é perfeito…

As conversas são com as cerejas (embora a sobremesa, desta vez, não tenha sido responsabilidade da Praia no Parque, mas de um dos comensais, Filipe Botton, que não perde uma oportunidade, nem um, para “vender” os seus gelados Santini). A cada oportunidade, um desafio. Além da atração, Portugal tem um problema de retenção. E neste caso estão à mesa gestores de empresas com competências e decisão em Portugal, mas com capital estrangeiro. “É difícil convencê-los a continuar a investir e continuar a apostar. Eles dizem “olha, com o mesmo capital aplicado noutro país, a rentabilidade seria muito maior“. E arrisca dizer até que, hoje, provavelmente, não voltariam a entrar em Portugal. É o resultado disto: “O retorno sobre o capital em Portugal, num mercado mais maduro, com níveis de crescimento relativamente escassos, tem que ser mais elevado, porque temos muitos setores também em que o custo de capital é superior ao retorno sobre o investimento“. Quem perde será o consumidor, mas não só. Também o talento, que vai embora (já está a ir), porque não temos uma economia competitiva.

O papel dos empresários também tem de mudar. E a auto-crítica é severa. “Os empresários em Portugal são medíocres, somos medíocres, mal preparados”. Mas reconhece-se que o ambiente e contexto de negócio não é o mais favorável a empreender. “É mais confortável trabalhar para os outros”. Mas há dois países, admitem. No Minho, no Norte, há outra cultura, uma cultura de risco, que vem do tempo do minifúndio, mas, claro, depois faltam competências”. Sempre as competências.

Exportações, sim, mas ainda não se tinha falado de turismo à mesa. E, afinal, o que está a puxar as exportações? “Isso é só uma parte da história, há outra parte, os serviços. O setor que mais cresceu foi as tecnologias de informação e comunicação, por exemplo a Altice exporta muita engenharia a partir de Aveiro“, dizem, apontando para Ana Figueiredo (a publicidade não foi feita em causa própria). E há mais experiência à mesa.

Um dos problemas é mesmo uma certa esquizofrenia, muito portuguesa, dos melhores do mundo ao inferno. Entre os emigrantes que fogem e os estrangeiros, o talento que quer viver em Portugal. Mas não, Portugal não é assim tão procurado. Há quem arrisque mesmo dizer que isso é um mito, uma falácia. “Acho que aqui nós andamos entre dois polos, ou somos muito bons ou somos uma catástrofe. E achamos que toda a gente quer vim para cá, mas noutros países também há muita procura de talento”.

A conversa vai longa, e talvez com uma dose de pessimismo que não combina com os gelados, já na mesa. “Gastámos demasiadas energias a identificar o que está mal e muito pouca focagem naquelas coisas que fazemos bem e em que os miúdos não precisam de ir para fora“. “Isso, tens razão”, ouve-se. Ah, e os impostos? Em França, um miúdo ganha três vezes mais, mas não só. Também as perspetivas de crescimento das empresas, que servem para reter os melhores.

Falou-se pouco de Estado, do seu papel, mas falou-se. Para lamentar a destruição da capacidade instalada, por exemplo com a multiplicação de institutos e outras formas de organização jurídica, que na prática levaram ao outsourcing de muitas competências. Mas também para um papel do Estado que deve regular, sim, mas sem intrometer-se. A prioridade deve estar nos incentivos, e isso cabe ao Estado, os incentivos corretos para os agentes económicos, as empresas e as famílias.

Afinal, qual é a vocação do país? Uma pergunta difícil, já no final do primeiro ‘business lunch’ ECO no Parque. “Eu acho que a nossa vocação são mesmo as ligações. Estabelecermos plataformas de ligação entre continentes, culturas, tudo o que seja investir em infraestruturas de ligação com competências e conversão em setores que beneficiem da ligação, podemos fazer coisas excelentes, com níveis de produtividade muito elevados e a pagar muito bem”. Há esperança. E café na mesa.

Fonte: https://eco.sapo.pt/2023/06/10/eco-no-parque-temos-tecnologia-faltam-competencias-e-enquadramento-para-o-sucesso/

 

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