Presidente do PO CH acredita que a aposta na formação dos adultos é essencial para evitar o desajuste entre a oferta e a procura. E embora nos últimos anos Portugal tenha dado um grande salto no que concerne às taxas de educação/formação, ainda há muito por fazer.
Em 2020 Portugal atingiu a maior taxa de sempre de população com pelo menos o ensino secundário. No entanto só isso não chega. Há que apostar na formação dos adultos, por forma a dotá-los de competências profissionais certificadas, permitindo uma maior empregabilidade. Essa é a constatação de Joaquim Bernardo, presidente do PO CH (Programa Operacional Capital Humano) – programa criado em 2014 com o objetivo de “contribuir para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo e para a coesão económica, social e territorial” – que, em conversa com o Diário de Notícias, fez uma avaliação do panorama nacional.
Que avaliação faz da qualificação e empregabilidade dos adultos em Portugal? Houve uma avaliação (positiva) nos últimos anos, com a implementação de programas apoiados pelos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI) em Portugal?
A qualificação dos adultos é uma agenda prioritária na intervenção do PO CH, que com o financiamento do Fundo Social Europeu apoia os Centros Qualifica e os cursos de dupla certificação para adultos. Os Centros Qualifica desempenham um papel fundamental para o sucesso da estratégia de qualificação e requalificação de adultos, enquanto portas de entrada ou reentrada no sistema nacional de qualificações. Nestes Centros, os adultos são encaminhados para as ofertas formativas que melhor se adequem ao seu perfil e é também onde podem ver reconhecidas competências escolares ou profissionais, através da frequência de processos RVCC – reconhecimento, validação e certificação de competências. Estes instrumentos são particularmente importantes porque fomentam a inclusão social e a melhoria das condições económicas dos adultos com mais baixas qualificações ou com qualificações desajustadas das necessidades atuais do mercado de trabalho, nomeadamente em matéria de competências digitais. Os cursos de dupla certificação apoiados pelo PO CH, através do Fundo Social Europeu, nomeadamente os cursos de aprendizagem e os cursos de educação e formação de adultos (EFA), permitem uma inserção ou reinserção facilitada no mercado de trabalho, ao promoverem competências profissionais certificadas e válidas em qualquer Estado-Membro, ao mesmo tempo que permitem a conclusão de um ciclo de ensino. Estas formações, mais longas, promovem uma maior empregabilidade ou prosseguimento de estudos, como revela a avaliação sobre o contributo do Portugal 2020 para a qualificação e empregabilidade dos adultos, realizada pela Ernst & Young para o PO CH. Conclui, por exemplo, que os adultos desempregados ou inativos que participaram em formação apoiada têm uma probabilidade 18 vezes superior de aceder a emprego. Também os formandos adultos empregados, que terminam formações apoiadas, têm uma probabilidade cinco vezes superior de trabalhar um ano completo, no ano seguinte ao da conclusão. A probabilidade de se manterem empregados no segundo e terceiro ano após a formação é duas vezes superior à dos adultos que não frequentaram formação. O PO CH já investiu mais de 969 milhões de euros, dos quais 824 milhões são FSE, no apoio a medidas de aprendizagem ao longo da vida, dos quais usufruíram até 31/12/2021 cerca de 429 mil adultos. É um longo caminho já percorrido e dos quais podemos ver frutos como a evolução positiva da taxa de população com pelo menos o ensino secundário. No fim de 2020, essa taxa atingiu os 56,1%, o valor mais alto de sempre, espelhando a tendência de crescimento do indicador em Portugal nos últimos anos. A meta traçada pelo Programa Nacional de Reformas e pela Estratégia Europa 2020 de 50%, para 2020, foi atingida e superada, mas precisamos de mais crescimento. Por exemplo, é no grupo dos adultos que se encontram os maiores défices de competências digitais, essenciais hoje em dia. No entanto, há cada vez mais oferta de formação específica nesta área, apoiada pelo PO CH e Fundo Social Europeu.
A formação e a capacitação de novas competências são um imperativo quer para uma população com formação mais básica, quer para a população não empregada. Como vê a evolução dos cursos ministrados e os seus resultados?
O PO CH tem trabalhado com os beneficiários que apoia, e que são fundamentalmente entidades formadoras, para garantir que todos tenham acesso à formação que lhes permita adquirir as competências necessárias para evoluírem num mercado de trabalho em constante mudança e também para uma cidadania mais ativa e informada. A Comissão Europeia lançou em julho de 2020 a nova agenda de competências, na qual é muito clara a necessidade de fazer da aprendizagem ao longo da vida a norma, com a meta estabelecida para 2030 de pelo menos 60% da população entre os 25 e os 64 anos participar anualmente em atividades formativas. A formação vai ser assim uma componente ainda mais imprescindível das nossas vidas. Se assim não for, o desajuste entre a oferta e a procura vai ganhar terreno. O investimento, cofinanciado pelos fundos europeus e pelo Fundo Social Europeu em particular, para ultrapassar essa barreira tem sido grande, como se vê pelos números que divulgamos, e vai continuar no próximo período de programação. Em função do trabalho que tem sido desenvolvido nesta área, podemos concluir, com resultados à vista na avaliação recentemente terminada e que já mencionei, que a formação apoiada pelo PO CH impacta muito positivamente desde logo na empregabilidade dos adultos empregados e desempregados.
Quais as principais dificuldades na divulgação dos programas de formação e consequente participação por parte da população adulta?
Eu diria que os principais obstáculos à participação em ações de formação por parte dos adultos são a motivação, o tempo, sobretudo para os que estão empregados, e o dinheiro. A qualificação e requalificação dos adultos é de extrema importância porque fomenta a inclusão social e a melhoria das condições económicas dos adultos menos qualificados, por exemplo ao nível das competências digitais. Resultam também numa forma de desenvolvimento pessoal, que está diretamente ligada a uma melhor qualidade de vida, aumento das capacidades individuais e realização de metas pessoais e profissionais. No entanto, sobretudo ao nível das formações mais longas, sentimos que há dificuldades na sua conclusão. A diminuição do desemprego em Portugal, apesar de ser um dado muito positivo, tem contribuído para o abandono antecipado destas formações, o que deve ser encarado com preocupação. Muitos adultos desempregados, face à perspetiva de um emprego, mesmo precário, desistem da formação, desistindo assim da sua oportunidade de obter melhores condições de vida. A Comissão Europeia quer implementar no sistema formações mais curtas, mais adaptadas à conciliação com o emprego e certificadas pelas chamadas “microcredenciais”. São pequenas experiências de aprendizagem que vão funcionar entre instituições, empresas, setores e fronteiras e que têm como objetivo garantir que todos tenham acesso a oportunidades de formação relevantes e adaptadas às suas necessidades, independentemente de estarem empregados ou não, fazendo com que o fator tempo não seja uma condicionante até para os mais motivados. Nos dois últimos anos, também a pandemia e o necessário recurso à formação a distância, sempre que possível, foram fatores que vieram dificultar o acompanhamento das ações formativas pelos adultos, sobretudo aqueles que possuem menos competências digitais. Embora os Centros Qualifica e todas as entidades formadoras se tenham adaptado rapidamente à nova conjuntura, nem sempre foi fácil continuar a envolver os adultos nessa forma de formação.
Quais as recomendações para dinamizar a formação nos adultos?
A motivação é a força que leva as pessoas a satisfazer uma necessidade. No que respeita à formação, os adultos muitas vezes não estão motivados ou porque fazem formação em áreas que não lhes despertam interesse, ou porque o tempo escasseia entre o trabalho e a família, ou ainda porque não podem despender dinheiro dos seus orçamentos pessoais. No caso dos que estão empregados, os seus empregadores muitas vezes não conseguem oferecer oportunidades suficientes e adequadas de formação. No entanto, é absolutamente necessário elevar os níveis de literacia, competências-chave e qualificações da população adulta. Os Centros Qualifica são estruturas do Sistema Nacional de Qualificações que assumem um papel central na construção de pontes entre a educação, a formação e o emprego, numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida. São centros especializados em qualificação de adultos, vocacionados para a informação, aconselhamento e encaminhamento para ofertas de educação e formação profissional de adultos. São uma porta aberta para o sucesso formativo, que deve ser utilizada pelos adultos que procuram mais qualificação ou requalificação. O encaminhamento tem em conta todas as condicionantes individuais e ajuda a definir o percurso formativo ideal para cada um. É uma boa ajuda para dar início a qualquer percurso de qualificação.
Há uma relação saudável e suficiente entre as entidades formadoras e o mercado de trabalho por forma a assegurar a empregabilidade dos formandos?
A formação profissional é uma via cuja oferta formativa está em constante atualização, para que a mão-de-obra que produz seja adequada às necessidades dos empregadores. Há mecanismos europeus e nacionais – com destaque em Portugal para o Sistema de Antecipação das Necessidades de Qualificação, sob coordenação nacional da ANQEP – que trabalham permanentemente na conciliação entre a oferta e procura de competências, de modo que as competências que os nossos jovens e adultos adquirem estejam em sintonia com um mercado de trabalho, em permanente e cada vez mais rápida mudança. De caráter muito prático e muito diretamente ligada às empresas e outros empregadores, onde os formandos realizam as formações em contexto de trabalho e estágios profissionais, a formação profissional está em posição privilegiada para potenciar a inserção dos formandos no mercado de trabalho, como tem sido aliás demonstrado por diversos estudos. A relação entre as entidades formadoras e os empregadores é de grande proximidade, com os formandos como protagonistas. As necessidades dos empregadores são tidas em conta pelas entidades formadoras, com grande contextualização local, no planeamento e execução da sua oferta formativa.
Portugal está a conseguir cumprir os objetivos estabelecidos?
A formação de adultos é hoje a área mais exigente apoiada pelo PO CH, sobretudo devido à grande necessidade de qualificação e requalificação existente na população adulta residente em Portugal, num contexto de escassez de mão-de-obra necessária para alguns setores chave da economia portuguesa. As medidas financiadas aumentam a participação dos adultos na qualificação ao longo da vida, para assim promover melhores condições de empregabilidade, sobretudo junto dos adultos sem o ensino secundário ou sem qualificação profissional, ou que tendo esses níveis de escolaridade ou qualificação profissional, carecem de reconversão. As metas estipuladas nacionalmente, no âmbito do Programa Nacional de Reformas são ambiciosas, tendo-se registado importantes progressos, bem como nas que o POCH prossegue até ao final de 2023. Até ao fim de 2021 já tinham sido apoiados mais de 44 mil adultos em cursos EFA, sendo que, desses, 54% foram certificados. Relativamente aos cursos de aprendizagem, já usufruíram dos apoios do PO CH perto de 33 mil adultos, dos quais 56% foram certificados. Nesta medida a meta é de 61% de formandos certificados. Os números ainda vão continuar a crescer até ao fim de 2023.