A forma como aprendemos hoje mudou pouco daquela como aprendiam nossos avós. Ainda esbarramos em práticas que distanciam o aluno do aprendizado real. Uma vez que, poucas vezes, o que é aprendido é, de fato, relevante para o estudante ou desperta o interesse imediato do mesmo. Uma aprendizagem de qualidade é obtida quando a aproximamos da realidade cotidiana, e o que melhor para criar engajamento no jovem do que um jogo? Com esse intuito, a gamificação, que não é uma ferramenta tão recente, tem aparecido cada vez mais no cenário educacional e, dando sequência à série de tendências da educação, se apresenta como uma das estratégias fortes dos próximos anos para o setor.
Cunhada em 2002 pelo britânico Nick Pelling, a palavra gamification (gamificação ou ludificação, em português) inicialmente não tinha a mesma definição que tem hoje. Somente em 2010 é que o termo teve maior notoriedade e passou a ser empregado da forma como conhecemos.
De acordo com a empresa americana Gartner, gamificação é o uso de design de experiências e mecânicas de jogos para motivar e engajar as pessoas para que elas atinjam seus objetivos. Atualmente, a gamificação é empregada amplamente no meio corporativo para motivar funcionários e para fidelização do cliente, mas também tem ganhado força no setor educacional.
Por que a gamificação funciona?
Em seu livro “Motivação 3.0 – Drive” (Drive: The Surprising Truth About What Motivates Us, 2009), Daniel Pink explica que podemos ter motivações extrínsecas (aquelas que os agentes motivadores são externos, como algo relacionado ao ambiente ou a terceiros, recompensas, bônus, premiações ou até mesmo punições) e motivações intrínsecas (motivação interna que é gerada pelo interesse único do indivíduo, objetivos e metas pessoais).
No livro, Pink elucida que, em alguns casos, apesar de a motivação extrínseca funcionar, para muitos outros o efeito engajante logo acaba e o envolvimento das pessoas não é mantido a longo prazo. Para isso, é necessário entrar em cena a motivação intrínseca, que de acordo com o autor, apresenta três elementos:
- Autonomia: a necessidade do indivíduo de controlar suas próprias ações e decisões;
- Domínio: a vontade de progredir e se tornar melhor naquilo que executa;
- Propósito: o desejo de pertencer a uma causa maior e importante.
Dessa forma, a gamificação tem suas premissas pautadas nas recompensas intrínsecas, oferecendo um feedback positivo capaz de, na educação, por exemplo:
- Fazer os alunos aprenderem usando diferentes caminhos para chegar a uma solução;
- Buscarem o desenvolvimento próprio em alguma habilidade específica;
- Alcançarem objetivos significativos em ações interpessoais, interagindo como equipes.
Por que aplicá-la no aprendizado
De acordo com Karl Kapp (The Gamification of Learning and Instruction Fieldbook: Ideas Into Practice, 2013), há muitas razões para implementar a gamificação no aprendizado. Algumas tem grande destaque, entretanto:
- Criar interatividade e entrega de aprendizado: as pesquisas mostram que em ambientes de aprendizagem, quando há níveis de interação entre estudantes, conteúdo e professores, há uma tendência de aumento na aprendizagem. Hoje, muitas práticas pedagógicas interativas dão suporte a essa tendência;
- Aumentar o engajamento: essa é a mais óbvia delas, já que páginas e textos seguidos de mais páginas e textos não são engajantes para a maioria das pessoas. A falta de aplicação prática contribui para o esquecimento do conteúdo. Portanto, estratégias que aumentam o engajamento do aluno garantem uma melhor e mais duradoura absorção do mesmo;
- Gera oportunidades para reflexões e pensamentos profundos: em um mundo no qual tudo parece acelerado, há poucos momentos para reflexões sobre assuntos importantes. Dessa forma, a gamificação pode trazer assuntos reais para serem desenvolvidos de maneira direta;
- Transforma positivamente o comportamento: a gamificação, por meio da sua mecânica e do seu ambiente, ajuda estudantes a atingirem seus objetivos e alcançarem suas metas por intermédio de reforços positivos, criando hábitos de estudos ou ações de aprendizado.
Como fazer?
Antes de aplicar a gamificação, é preciso ter consciência que ela vai muito além de apenas utilizar jogos dentro da sala. Pelo fato de ser uma estratégia que visa a motivação do aluno, ela precisa ser pensada como uma ferramenta propulsora de estímulos e ações de médio e longo prazo.
De acordo com Gartner, estima-se que por volta de 80% das soluções gamificadas não geram o engajamento necessário, por isso é necessário entender alguns pontos que passam despercebidos na implantação dessa estratégia.
NÃO CONFUNDIR GAMIFICAÇÃO COM PROGRAMAS DE RECOMPENSA
Em seu livro “Gamificar: Como a gamificação motiva as pessoas a fazerem coisas extraordinárias” (Gamify: How Gamification Motivates People to Do Extraordinary Things, 2014), Brian Burke reporta que esse é um dos principais problemas das soluções gamificadas.
Como mencionado, a recompensa extrínseca tem um poder a curto prazo e não a longo prazo. Ou seja, motivar continuamente dessa forma gera uma dependência de sempre haver algo em troca para que a atividade seja realizada. Além disso, logo é perdido o interesse na recompensa quando o modo de engajamento é apenas esse.
ESTRUTURA BEM MONTADA
De acordo com Burke, existem várias formas de aplicar a gamificação no processo de aprendizagem, mas via de regra seguem a estrutura:
- Definir o objetivo – possuir um objetivo bem definido é crucial para o sucesso;
- Dividir o processo em etapas – a quebra da jornada em etapas permite o aumento de dificuldade das habilidades de acordo com cada etapa. Dessa forma, pode ser recompensada a cada avanço;
- Verificar interdependências – para atingir um nível de aprendizado, necessita-se deixar claro os pré-requisitos que podem facilitar a execução das atividades, mostrar o grau de importância de cada etapa, bem como atentar para a progressão por parte do aluno;
- Criar ciclos de engajamento entre teoria e prática – deve oferecer instruções, desafios e feedbacks imediatos que permitam a correção de erros, valorização dos acertos, encorajamento constante e o impacto emocional do usuário ao longo do processo;
- Recrutar mentores e equipe – o aprendizado ocorre mais facilmente em um ambiente colaborativo. Envolver mentores para encorajar e guiar as equipes (além de gerar o senso de comunidade e propósito maior) é uma excelente forma de construir engajamento;
- Celebrar o sucesso – reconhecer as vitórias é importante para o envolvimento, principalmente se forem recompensadas com pontos, insígnias, placares, entre outros.
NÃO CONFUNDIR OS OBJETIVOS DO DESENVOLVEDOR/APLICADOR COM OS DOS JOGADORES/ALUNOS
Em outras palavras, conheça muito bem alunos, pois a gamificação é para eles. As soluções gamificadas precisam colocar em primeiro lugar os desejos e as motivações de quem irá jogar.
Se o seu objetivo é ter mais lições de casa realizadas, certamente esse não é o dos seus alunos. Dessa forma, busque entender o que os motiva como, por exemplo, mostrar um bom desempenho para os pais, colegas ou para si mesmo; ter uma visão de retorno futuro com a execução daquele curso; perceber a progressão e resultado imediato do que está sendo executado, entre outros.
NÃO ACRESCENTAR TAREFAS ÀS TAREFAS
Esse ponto é simples, mas nem sempre é bem percebido. A gamificação serve para tornar o caminho mais motivador e fácil, adicionar tarefas extras, ou seja, que vão além das atividades que já deveriam ser feitas, gera cansaço e não engajamento.
Pode acontecer de inicialmente ser adotado pelos alunos, mas a longo prazo criará também exaustão. Busque aplicar a gamificação dentro do que os estudantes já fazem normalmente, ou deveriam fazer.
Se um dos focos da gamificação é criar algo que está tão em voga hoje – o engajamento –, usar dessa ferramenta na educação para despertar interesse entre estudantes, principalmente em um momento no qual “competimos” com redes sociais, celulares e outros distratores, sem dúvida, parece promissor.
Muitas instituições tem testado e aprimorado soluções gamificadas como, por exemplo, a Khan Academy, a plataforma MOSAIC da ACT, a plataforma de cursos Udemy, a plataforma de aprendizagem Coursera, o aplicativo de aprendizagem de línguas Duolingo, a Gamafication da Gama Ensino ou até um aplicativo para aprender um instrumento musical, o Yousician. Como se conclui com facilidade, a gamificação veio para ficar e já está entre as ferramentas que mais podem auxiliar a evolução do ensino-aprendizado na Contemporaneidade.